A arte de calar não é um tratado
de recolhimento ou de êxtase: visa, paradoxalmente, a falar bem, o que se
traduz em comunicar aos semelhantes coisas dignas de serem ouvidas, ou seja,
assuntos relacionados à virtude, à sabedoria e à utilidade prática da vida. A
arte de calar convida-nos a "governar" a língua, concedendo-lhe
apenas a "liberdade moderada", no sentido de melhorar a eloquência
muda do corpo e do rosto.
Ouvimos mal porque não colocamos em prática os
preceitos da sabedoria, que primeiramente traduz-se em saber calar; em segundo
lugar, em saber falar pouco e moderar-se no discurso; em terceiro, em falar
muito sem falar mal e sem falar demais. Ouvimos mal porque raramente nos
lembramos da frase evangélica que diz: "Os que têm ouvidos de ouvir,
ouçam". Ouvimos mal porque o nosso silêncio é interesseiro, zombeteiro e
dissimulador: estamos sempre maquinando coisas para ludibriar, enganar ou
passar por cima de nosso interlocutor.
Alguns princípios necessários para calar: 1) só se deve deixar de calar quando se tem
algo a dizer que valha mais do que o silêncio; 2) há um tempo de falar, assim
como há um tempo de calar; 3) o tempo de calar deve vir em primeiro lugar, e
nunca se pode bem falar quando não se aprendeu antes a bem calar; 4) há menos
riscos em calar do que em falar; 5) quando se tem uma coisa importante para
dizer, deve-se prestar a ela uma atenção muito especial: é necessário dizê-la a
si mesmo, e depois de tal precaução, voltar a dizê-la, para evitar que haja
arrependimento quando já não se tiver o poder de voltar atrás no que se
declarou.
Escrevemos mal porque escrevemos coisas inúteis e
muito longamente as melhores coisas. Esse é o defeito de autores pouco
judiciosos que não sabem decidir nem escolher matéria que seja de utilidade. É
o caso dos escritores de romance, de anedotas. Eles perdem grande tempo
compondo as suas histórias, para que nós, depois, também perdemos o nosso ao
lê-las. Na realidade, deveríamos delimitar o que escrevemos; o defeito da
extensão é porque não empregamos tempo necessário para limitar, riscar,
suprimir e reduzir na justa medida a matéria que temos em mãos.
Alguns princípios necessários para se explicar
pelos escritos e pelos livros: 1)
só se deve deixar de deter a pena quando se tem algo a escrever que valha mais
do que o silêncio; 2) há um tempo de escrever, como há um tempo de deter a
pena; 3) não há mais mérito em explicar o que se sabe, do que em calar o que se
ignora; 4) a reserva em escrever muitas vezes passa por sabedoria em um tolo e
por capacidade em um ignorante; 5) mesmo que se tenha propensão a deter a
própria pena, sempre se deve desconfiar de si mesmo; e para impedir a si mesmo
de escrever alguma coisa, basta que se tenha muita paixão por escreve-la.
"O silêncio é de ouro e a palavra de
prata", diz o anexim. Saibamos moderar o nosso verbo, a fim de que as
palavras que saírem de nossa boca ou do nosso punho sejam sempre para
estimular, enaltecer, incentivar e nunca para destruir aqueles que convivem
conosco.
Fonte de Consulta
DINOUART, Abade. A Arte de Calar.
Tradução por Luís Filipe Ribeiro. São Paulo, Martins Fontes, 2001. (Coleção
Breves Encontros)
Nenhum comentário:
Postar um comentário