15 julho 2009

Escrever: Exercício do Pensamento

Georges Picard enfatiza que todos os seres humanos deveriam escrever, não para publicação, mas para si mesmos, a fim de disciplinar o pensamento. É uma sugestão estimuladora, porque a maioria das pessoas que não lê não dá muita atenção à escrita. Para Picard, o ato de escrever é o "desejo de se descobrir tanto a si mesmo como aos outros". Ele defende a ideia de uma literatura livre, contrária ao canto de sereia do marketing e da publicidade, que procura reduzir tudo ao vendável.

Um bom método, para ler corretamente, é escrever o que se vê diariamente. São poucos os que percebem que escrever é uma espécie de trabalho. Observe o texto bíblico em que Adão, depois de ter pecado, recebe de Deus a seguinte advertência: "Por teres escutado a voz de tua mulher e comido da árvore da qual eu te havia prescrito não comer, o solo será maldito por sua causa. É com fadiga que te alimentarás dele todos os dias de tua vida. E com fadiga escreverás teus ensaios todas as noites de tua vida". (Gênesis, 3, 17) Escrever faz-nos pensar sobre um determinado assunto. Colocando-o no papel, memorizamos melhor o acontecimento.

A diversidade, as ideias contraditórias e a contestação são verdadeiras armas para aqueles que fundamentam os seus argumentos na esgrima da palavra. A oposição de ideias, tal qual Hegel defendia, é um verdadeiro manancial de conhecimento e aprendizagem porque a sequência de tese, antítese, síntese, tese, antítese, síntese... propicia-nos um conhecimento mais amplo e mais aprofundado de qualquer tema. Lembremo-nos de que a beleza da escrita está na tensão entre o que está escrito e o que está por ser escrito.

O ato de escrever é uma espécie de concentração, porque obriga aquele que escreve a ficar inteiro no que está escrevendo, sob pena de não anunciar a sua afetividade e o seu sentimento de maneira genuína e profunda. As notas valem mais do que as palavras. Escrever nos obriga a escolher entre um monte de ideias vagas aquelas que são mais compreensíveis ao texto. Claude-Louis Combet diz: "A dedicação à escrita, em todo o seu rigor de forma e em sua disciplina moral, estimula o recolhimento, o gosto pelo silêncio, a atenção do coração, o respeito pela língua, a renúncia à exterioridade".

No livro de Picard há diversas frases soltas: "’Escrevo, logo sou’ pode fundar uma ética da existência"; "não é com fatos, mas com palavras que se escreve"; "o escritor deve fugir do jogo de tolos que consiste em escrever obscuramente fingindo profundidade"; "pensar não significa fazer teoria, pensar é também compor ficção ou escrever poesia"; "na medida em que o cesto de lixo, físico ou virtual, se enche de rascunhos, cresce a energia intelectual mobilizada para chegar a uma página que valha a pena"; "é justamente porque não se tem nada a esperar do midiático e do social em geral que escrever parece ser, cada vez mais, uma vocação desinteressada".

Os slogans, as expressões audiovisuais e as imagens simplistas retratam o triunfo da literatura medíocre, da literatura pouco aprofundada e tendente à uniformidade. Para fugirmos dessa influência automática e rotineira, dediquemo-nos à escrita e à leitura de bons livros.

Fonte de Consulta

PICARD, Georges. Todo Mundo Devia Escrever: A Escrita como Disciplina do Pensamento. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2008.

 

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