Título: Todo Mundo Devia Escrever: a Escrita como
Disciplina de Pensamento
Autor: Georges Picard
Tradução: Marcos Marcionilo
PICARD, Georges. Todo Mundo Devia Escrever: A Escrita como Disciplina do Pensamento.
Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2008.
Para mim, que considero a palavra embaraçada,
habitualmente hesitante, excepcionalmente explosiva e excessiva, um pensamento
rico ou sutil não pode encontrar uma forma adequada fora da escrita.
Escrever para pensar, mais do que pensar para
escrever: estranha inversão de prioridades nos domínios didáticos, mas, me
parece, posicionamento natural em literatura.
Todo mundo devia escrever para si mesmo, na concentração e na solidão: um bom meio de saber aquilo que se sabe e de entrever aquilo que se ignora sobre o mecanismo do próprio cérebro, sobre o próprio poder de apreensão e de interpretação dos estímulos externos.
“Quando não posso caminhar, leio; não posso
ficar sentado refletindo.” (Charles Lamb)
Inclinado sobre sua página, todo escritor é narcísico.
A escrita é o mais ambíguo e mais sedutor dos espelhos.
A relação dialética entre ideias contrárias impõe
uma ginástica mental da qual nunca me livro sem um incômodo.
O que há de mais belo na escrita é a tensão entre
o que está escrito e o que há por escrever, é o uso de uma liberdade que assume
todos os riscos ao imprimir sua marca.
Na dialética sublimada do taoísmo, que sabe que
o ferro é tanto mais cortante quanto mais flexível for.
Edgar Allan Poe tinha “uma obsessão inconsciente
por relógios”, descoberta inicialmente em The
Devil in the Belfry, depois em Corvo,
em A máscara da morte vermelha, em The Pit and the Pendulum... em síntese,
diz ele: “De repente, dou-me conta de que a hora e o relógio estavam em todos
os lugares”.
Aos olhos de pessoas excessivamente inescrupulosas,
que não podem fazer um movimento em jogar tudo por terra, atravessar a vida sem
nada disputar é uma grande vantagem.
Ninguém consegue me demover da ideia de que, passado
certo nível de profundidade, as notas valem mais do que as palavras e que
determinada quantidade de silêncio toca mais o fundo das coisas que os mais
belos discursos.
Escrevo para me essencializar, vivo para me
acidentar.
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