06 novembro 2025

100 Fábulas Fabulosas (Notas de Livro)

Título: 100 Fábulas Fabulosas

Autor: Millôr Fernandes

Rio de Janeiro: Record, 2003. 

Uma Sátira Virada de Ponta-Cabeça.

Neste livro, entre outras descobertas etimologicamente fabulosas, o autor revela como os animais falavam no tempo em que deram origem a tantas fábulas. Fixando hieróglifos da Rosetta e cruzando-os com ícones do Obelisco Negro de Shalmanazar (858 a.C.), o autor conseguiu reverter diversas fábulas, retirando destas sua moral original.

As fábulas passeiam da China aos nichos do INSS. Das mais simples e básicas emoções humanas até as filosofias mais complexas. Tudo isso temperado por uma noção surpreendente do mundo.

As Irrefutabilidades Matemáticas (XXX)

à maneira dos... Circassianos

Ney Sir, o Grande Agregado, foi visitar seu determinado e importante discípulo, Ma Son II, Condestável Perene, levando pela mão o belho filho. Ma Son II recebeu Ney Sir na Sala das Salamndras e lhe ofereceu um chá de tulipas em Chávenas de Pranto de Alá, a mais rica louça do reinado de Luf Ma IV. No meio da tertúlia entrou a mulher de Ma Son II, trazendo pela mão a maravilhosa Íris do Sol, sua pequena filha. As duas se curvaram, no rito secular, e se retiraram para os fundos da casa, pois é assim que devem fazer as mulheres em todos os tempos. Nesse momento Ney Sir falou:

— Ma Son II, eu vim aqui com uma missão, e, ao ver a beleza de sua filha, não resisto mais — que idade tem?

— Dois anos, Mestre — respondeu o Condestável Perene.

— Pois é perfeito — tornou Ney Sir. — Meu filho tem quatro anos. Eu lhe proponho que os dois se casem no próximo Mês das Tamareiras.

— Perdão, Mestre, mas não posso aceitar tal absurdo. Acho mesmo uma monstruosidade, uma proposta de infelicidade permanente para ambos: a diferença de idade é brutal.

— Como brutal — disse Ney Sir. — Ele tem quatro anos, ela dois. Uma diferença de apenas dois anos.

— Perdão, Grande Mestre, mas é espantoso defender tão trivial matemática. Ele não é apenas dois anos mais velho do que ela; ou melhor, isso não importa. O que importa é ele ter o dobro da idade dela. Se não consideramos isso, nos perdemos numa aritmética pueril que, como sabe vossa sabedoria, foi o que sempre fez a infelicidade dos indivíduos e dos povos. Hoje ele tem quatro anos, ela tem dois. Mas amanhã ele terá oito, ela quatro; depois, ela vinte, ela dez; em seguida, ele quarenta, ela vinte. E quando tiver 60 nada poderá advir de bom para um homem tão idoso casado com uma mulher que tem apenas trinta anos. Perdoe-me, mas a diferença é demasiada. Aceita outra chávena?

MORAL É por essas e outras (muitas outras) que nossa distribuição de renda é o que é.

Sábias Divergências (XV)

à maneira dos... siberianos

Dois homens de alta sabedoria se encontram no meio de uma estrada estreita em Irks-Polustski. Um deles, vendo que o outro não lhe dava passagem, gritou:

— Sai do meu caminho, filho de um cão pária e reco-reco.

Ao que o outro reagiu:

— Tu, que jamais tiveste consciência do espírito e espírito de consciência, deverias sair do caminho de um homem que está acima das vãs trivialidades do teu pensamento. Sai, afasta-te, verme!

— Se conhecesses os princípios e os fins, os mistérios da escatologia, me darias passagem, cão sarmento e teco-teco — replicou o outro.

— Se princípios e fins fossem do teu conhecimento, há muito já estarias morto, e a escatologia tinha ido pro brejo — questionou o segundo sábio.

Um professor de filosofia, que ia passando com seus alunos, ordenou:

— Parem! Parem e prestem atenção às belezas infinitas das altas discussões culturais!

Os alunos pararam e ouviram, até que um deles disse:

— Mas me parece que esses dois aí estão apenas se esculhambando.

— Quando os sábios tratam de princípios e especulações filosóficas, tudo que dizem é filosofia — explicou o professor.

— Mas, então, aventurou o discípulo —, quando é que a coisa se torna ofensa e agressão?

Quando é dita por qualquer pessoa comum, sem interesse cultural. A cultura — aprenda — está sempre acima e além da prosaica busca de convivência e harmonia social.

MORAL. Só na guerra se aprende a beleza da paz.

 

 

 

 

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