10 junho 2022

Relação entre o Mestre e o Discípulo

François Waquet, diretora de pesquisa do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França), em Os Filhos de Sócrates, elabora um trabalho sobre a relação entre o mestre e o discípulo.

Na Introdução Geral, realça o papel de Vincenzo Viviani, matemático do grão-duque de Toscana e último discípulo de Galileu que, acima do portal de entrada do seu palácio, mandou instalar um busto em bronze de Galileu e, de lado a lado, sobre dois cartuchos monumentais fizera gravar um resumo da vida e obra do ilustre cientista, não omitindo nada das descobertas que levaram à sua condenação. Acima do busto, a inscrição Aedes a Deo Data (“casa doada de Deus”), feliz alusão ao primeiro nome — Dieudonné — rei da França, lembrando a generosidade desse soberano, que aposentara Viviani.

Não era vaidade sua dizer-se “último discípulo de Galileu”, pois convivera com seu mestre desde 1638, quando Galileu, que ficara cego, buscava ajudante para os seus trabalhos, Viviani tinha então 16 anos e fora aceito por Galileu, considerando-o “seu hóspede”. Tornou-se os olhos de Galileu, servindo-lhe de leitor e secretário, mas ainda auxiliando em seus trabalhos. O relacionamento entre os dois tornou-se tão estreito que Galileu considerava Viviani como “um filho”, e este permaneceu com Galileu até a sua morte.

O livro está repleto de referências, indicando a seriedade dessa publicação.

Algumas notas do livro:

“Se o gênio é um gigante inimitável, o pigmeu pode, por si, ver mais longe do que aquele.” (pág. 18)

“MESTRE se diz [...] daquele que é superior a outro com respeito à educação, à instrução nas ciências e nas artes.” (pág. 61)

“DISCÍPULO, escolar, aquele que algo aprende sob orientação de mestre.” (pág. 62)

Discípulo: “1.º) Pessoa que recebe ensinamento de um mestre. 2.º) Pessoa que adere às teorias de um mestre.”

Mestre: “II. 2.º) Pessoa que ensina” e, em outra acepção: “5º) Pessoa de quem se é o discípulo.” (pág. 74)

Norberto Bobbio não encontrava melhor maneira de definir o bom mestre do que invocando Sócrates. Sua figura é a do mestre que não impõe seu saber, ou até a daquele que, em sua insciência, interroga sem afirmar e que, provocando pelo diálogo espécie de parto, leva o discípulo a encontrar o Saber que possui em si. (pág. 83)

O professor de Ciências Políticas Mario Tronti, em entrevista concedida quando se aposentava, apresentou nesses termos bem transparentes: “Eu nunca me considerei um docente, e sim um mestre. O docente transmite um saber, preenche os alunos com disciplina de fora para dentro; o mestre retira do jovem o que este tem dentro de si.” (pág. 84)

“Meu mestre e meu autor”, dizia Antonio Niccolini ao evocar publicamente Giuseppe Averani, do qual fora discípulo. Lembremos que auctor significa literalmente aquele que aumenta, que faz avançar, progredir; donde os sentidos clássicos de garantia, fonte, modelo, conselheiro, promotor, fundador. Sinônimo de “mestre” — a palavra pode traduzir-se assim —, “autor” revela instancia fecunda, porque o mestre é reconhecido enquanto alguém produz, por sua ciência autoridade. “Autoridade” remete aqui ao reconhecimento do poder da pessoa que, por seu saber, é digna de confiança, respeito admiração, não à adesão forçada pelas injunções de poder dominador. (pág. 264)

WAQUET, Françoise. Os Filhos de Sócrates: Filiação Intelectual e Transmissão do saber do século XVII ao XXI. Tradução de Marcelo Rouanet. Rio de Janeiro: DIFEL, 2010.