François Waquet, diretora de pesquisa do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França), em Os Filhos de Sócrates, elabora um trabalho sobre a relação entre o mestre e o discípulo.
Na Introdução
Geral, realça o papel de Vincenzo Viviani, matemático do grão-duque de Toscana
e último discípulo de Galileu que, acima do portal de entrada do seu palácio, mandou
instalar um busto em bronze de Galileu e, de lado a lado, sobre dois cartuchos
monumentais fizera gravar um resumo da vida e obra do ilustre cientista, não
omitindo nada das descobertas que levaram à sua condenação. Acima do busto, a
inscrição Aedes
a Deo Data (“casa
doada de Deus”), feliz alusão ao primeiro nome — Dieudonné — rei da França,
lembrando a generosidade desse soberano, que aposentara Viviani.
Não era
vaidade sua dizer-se “último discípulo de Galileu”, pois convivera com seu
mestre desde 1638, quando Galileu, que ficara cego, buscava ajudante para os
seus trabalhos, Viviani tinha então 16 anos e fora aceito por Galileu,
considerando-o “seu hóspede”. Tornou-se os olhos de Galileu, servindo-lhe de
leitor e secretário, mas ainda auxiliando em seus trabalhos. O relacionamento
entre os dois tornou-se tão estreito que Galileu considerava Viviani como “um filho”,
e este permaneceu com Galileu até a sua morte.
O livro
está repleto de referências, indicando a seriedade dessa publicação.
Algumas
notas do livro:
“Se o
gênio é um gigante inimitável, o pigmeu pode, por si, ver mais longe do que
aquele.” (pág. 18)
“MESTRE se
diz [...] daquele que é superior a outro com respeito à educação, à instrução nas
ciências e nas artes.” (pág. 61)
“DISCÍPULO,
escolar, aquele que algo aprende sob orientação de mestre.” (pág. 62)
Discípulo:
“1.º) Pessoa que recebe ensinamento de um mestre. 2.º) Pessoa que adere às
teorias de um mestre.”
Mestre: “II.
2.º) Pessoa que ensina” e, em outra acepção: “5º) Pessoa de quem se é o discípulo.”
(pág. 74)
Norberto Bobbio
não encontrava melhor maneira de definir o bom mestre do que invocando
Sócrates. Sua figura é a do mestre que não impõe seu saber, ou até a daquele
que, em sua insciência, interroga sem afirmar e que, provocando pelo diálogo espécie
de parto, leva o discípulo a encontrar o Saber que possui em si. (pág. 83)
O professor
de Ciências Políticas Mario Tronti, em entrevista concedida quando se
aposentava, apresentou nesses termos bem transparentes: “Eu nunca me considerei
um docente, e sim um mestre. O docente transmite um saber, preenche os alunos
com disciplina de fora para dentro; o mestre retira do jovem o que este tem
dentro de si.” (pág. 84)
“Meu
mestre e meu autor”, dizia Antonio Niccolini ao evocar publicamente Giuseppe
Averani, do qual fora discípulo. Lembremos que auctor significa literalmente aquele que aumenta, que faz avançar,
progredir; donde os sentidos clássicos de garantia, fonte, modelo, conselheiro,
promotor, fundador. Sinônimo de “mestre” — a palavra pode traduzir-se assim —, “autor”
revela instancia fecunda, porque o mestre é reconhecido enquanto alguém produz,
por sua ciência autoridade. “Autoridade” remete aqui ao reconhecimento do poder
da pessoa que, por seu saber, é digna de confiança, respeito admiração, não à adesão
forçada pelas injunções de poder dominador. (pág. 264)
WAQUET, Françoise. Os Filhos de Sócrates: Filiação Intelectual e Transmissão do saber do século XVII ao XXI. Tradução de Marcelo Rouanet. Rio de Janeiro: DIFEL, 2010.
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