Título: A Vida Íntima das Frases
Autor: Deonísio da Silva
São Paulo: A Girafa Editora, 2003.
B
A Burrice é Contagiosa; o Talento, não
Esta é uma das muitas frases célebres de autoria do crítico literário Agripino Grieco (1888-1973), famoso por tiradas cheias de verve e maledicência, proferidas contra pomposos escritores nacionais, até então convictos de que, dado o ofício que praticavam, muitas vezes confundido por sua posição social ou política, não poderiam ter suas obras criticadas, a não ser em comentários favoráveis. O corajoso paraibano, entretanto, culto e irônico, não poupava ninguém e legou à posteridade uma obra de crítica literária desassombrada, imune às tradicionais igrejinhas e confrarias tão presentes na cultura brasileira. Entre seus livros estão Vivos e mortos, Recordações de um mundo perdido e Gralhas e pavões.
C
Cada Povo tem o Governo que Merece
Esta frase é proferida quando se quer falar mal do governo,
atribuindo-se ao povo a má escolha. É de autoria do filósofo francês Joseph de
Maistre (1753-1821), crítico da Revolução Francesa, inimigo das repúblicas e
defensor das monarquias e do papa. Apesar de a frase ter servido sempre para
vituperar todos os governos, os alvos preferidos são aqueles escolhidos por
voto popular. Mas nada se diz quando os eleitores mostram sabedoria nas
votações. Assim, contrariando a máxima popular, o filho feio sempre tem por pai
o próprio povo. No fundo, a crítica não é aos maus governos, mas aos
responsáveis por sua eleição.
Cobra que Perdeu o Veneno
Aplica-se essa frase a pessoas iradas que, entretanto, nada podem fazer
em situações de desespero. Nasceu da crendice popular de que as cobras, para
não sucumbirem ao próprio veneno, depositam-no em folhas quando procuram tomar
água. Ao voltarem dos riachos, algumas acabam esquecendo-se de onde o puseram,
metendo-se como loucas à procura da peçonha temporariamente dispensada. O
escritor maranhense Henrique Maximiano Coelho Netto (1864-1934), autor de mais
de cem livros e um dos membros-fundadores da Academia Brasileira de Letras,
registrou o adágio em sua peça A muralha, numa fala da personagem Ana,
que, incapaz de resistir ao jogo do bicho, comporta-se como cobra que perdeu o
veneno.
D
De Boas Intenções o Infinito Está Cheio
Esta frase é de autoria do teólogo e santo francês
São Bernardo de Clairvaux (1090-1153). Muito místico, travou grandes polêmicas
com o namorado de Heloísa, o também teólogo e filósofo escolástico Pedro
Abelardo (1079-1142). Conselheiro de reis e papas, São Bernardo pregou a
Segunda Cruzada, destacando-se no combate àqueles que eram considerados hereges
por ousarem interpretar de modos plurais a ortodoxia católica. A frase foi
brandida, não apenas contra seus desafetos, mas também a seu aliados, e
tornou-se proverbial para denunciar que as boas intenções, além de não serem
suficientes, podem levar a fins contrários aos esperados.
Dinheiro não Tem Cheiro
A frase original foi pronunciada em latim, pelo
imperador Vespasiano (9-79), cujo filho, Tito, estava inconformado com o novo
imposto baixado pelo pai, que, para melhorar as finanças da antiga Roma, taxava
os mictórios públicos. Logo nas primeiras arrecadações, Vespasiano tomou uma
das moedas recolhidas nas privadas imperiais e pediu que o filho a cheirasse,
dizendo “Non olet”, isto é, não cheira. Vespasiano fez boa
administração, recuperou a economia do império e entre seu feitos está também a
construção do Coliseu. Mas, como todo administ6rador austero,
incompatibilizou-se com os meios senatoriais.
Discutir o Sexo dos Anjos
A origem desta frase situa-se no ano de 1453,
durante a tomada de Constantinopla pelos turcos. O último soberano do Império
Romano do Oriente, Constantino XI, comandava a resistência aos maometanos
enquanto autoridades cristãs mantinham acaloradas discussões teológicas num
concilio, entre elas se os anjos tinham sexo. Não puderam chegar a uma
conclusão. O imperador foi morto juntamente com milhares de cristãos, e os
novos conquistadores ali se estabeleceram sob as ordem de Maomé I. A cidade é
conhecida também pelo nome de Bizâncio e Istambul. Daí dizer-se que é bizantina
uma discussão estéril. Já com a arte bizantina não acontece o mesmo. Marcada
por simbolismos diversos e carregada de ornamentações, representa grande
patrimônio cultural. Na arquitetura, seus dois exemplos mais famosos são as
catedrais de São Marcos, em Veneza, e a de Santa Sofia, em Istambul.
Dois Bicudos não se Beijam
Ao contrário do que possa parecer, o vocábulo não se aplica às aves, mas aos homens. Antigamente eram chamadas de bicudos tanto estiletes compridos e armas pontudas, como certos valentões, que, patrocinavam arruaças. Indivíduos de pouca conversa e gestos grosseiros brigavam por qualquer coisa. O brasileiro, tido por cordial e afável no trato entre colegas e amigos, beijos e outras efusivas demonstrações de carinho. Daí o contraste de dois bicudos que não se beijam, de que são exemplo celebres parcerias impossíveis, como certos presidentes e vice-presidentes do Brasil, entre os quais Jânio Quadros e João Goulart. O primeiro mandou o outro para a Cochinchina — oficialmente, seria a China, mas, conhecendo as intenções ocultas de Jânio, sabemos que ele queria o vice ainda mais longe — e renunciou para ver que bicho dava. Deu o maior bode, como a História mostrou, resultando, por fim, na deposição do presidente que os militares não queriam empossar. José de Alencar, vice de Luiz Inácio Lula da Silva, frequentemente faz declarações que deixam o titular não em maus lençóis, mas obrigado a recorrer a frei Betto, seu Richelieu.
E
É a Ovelha Negra da Família
A história desta frase nasceu do trabalho
pastoreio. Em todo rebanho sempre existe aquele animal de trato difícil,
insubmisso, que não acompanha os outros. Está-se cuidando das ovelhas,
protegendo-as dos lobos, providenciando-lhes os melhores pastos, e de repente
uma delas se desgarra. Esta é a ovelha negra. Por metáfora, a frase passou a
ser aplicada nas famílias ou em outras comunidades aos filhos ou afilhados que
não têm bom comportamento. Na Ilíada, Homero (século VI a.C.) relata o
sacrifício de uma ovelha negra como garantia do pacto celebrado entre Páris e
Menelau, que resultou na Guerra de Troia. Mas ela não foi punida por mau
comportamento: como tantas ovelhas negras, era inocente.
É de Tirar o Chapéu
Foi no Reinado de Luís XIV, o Rei Sol, que a França
disciplinaria as saudações feitas com o chapéu. O costume vinha dos tempos da
mais parda das eminências, o cardeal Richelieu, à época de Luís XIII. Os
cumprimentos podiam ser feitos com um toque na aba; erguendo-o um pouco, sem
retirá-lo da cabeça; tirando-o inteiramente ou fazendo-o roçar o chão, quase
como uma vassoura, tudo dependendo da importância social de quem era
saudado.
E Eu Sou Besta?
A história desta frase remonta a um expressão dos
aldeões medievais portugueses, e um dos primeiros a registrá-la foi Gil Vicente
(1465-1536), no Auto da festa, num diálogo em que uma personagem
pergunta: "E eu ficarei por besta?" O significado é em geral de
recusa diante de ato que não se deve praticar. O grande dramaturgo tornou-se
famoso, porém, por outras peças e autos, entre os quais os mais conhecidos
compõem uma trilogia religiosa: Barca do inferno, Barca do purgatório, Barca
da glória. Ao todo, escreveu 44 peças. Como todo escritor daquele período,
apesar da copiosa produção, não viveu de seu ofício. Foi ourives da Corte e
funcionário da Casa da Moeda de Lisboa, formas disfarçadas de a Casa Real
portuguesa exercer o mecenato.
É Feio como Quasímodo
Diz-se de pessoa muito feia, em geral com
deformações físicas. A frase apareceu originalmente no livro Notre-Dame de
Paris, do famoso escritor francês Victor Hugo (1802-1885), em que se
destaca o personagem Quasímodo, corcunda, de pernas tortas, vesgo e de rosto
deformado, sineiro da catedral referida no título do romance e apaixonado pela
cigana Esmeralda. Em muitas traduções e também no cinema o título foi adaptado
para O Corcunda de Notre-Dame, cuja versão em desenho animado fez muito
sucesso. Tal foi a influência do romance que a expressão Quasímodo tem sido usada
em seu significado anterior, que designa o primeiro domingo depois da Páscoa.
É Mais Fácil Enganar a Multidão do que um Homem
Esta frase, de proverbial sabedoria, foi escrita
por Heródoto (484-420 a. C.), o Pai da História. Poucos historiadores modernos
têm a graça de seu estilo, marcado pelos realitos de acontecimentos e lendas
que põem em contraste a civilização grega e os bárbaros — egípcios, medos e
persas. A frase deve ter-lhe brotado das muitas observações que fez entre esses
povos, constatando como os grande generais, usando a espada e a retórica,
submetiam cidades inteiras, mas expunham sua fraqueza num simples diálogo com
um filósofo.
É Possível Medir a Inteligência
Jamais ocorreu aos antigos medir a inteligência das
pessoas, pois seus atos e falas logo desmanchavam reputações ou confirmavam
suspeitas. Mas a partir desta frase, baseada nas teorias do psicólogo francês
Alfred Binet (1857-1911), que montou um laboratório experimental em Paris onde
passou a medir as aptidões das crianças, com vistas a melhor atendê-las na
escola, uma obsessão por medir a inteligência tomou conta do mundo. E logo
surgiram grandes enganos, sobretudo nos Estados Unidos, onde pesquisadores
irresponsáveis passaram a medir o Q.I. (quociente intelectual) de vivos e mortos.
Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616) recebeu apenas 105, numa escala de
160, ficando próximo a anônimos débeis mentais.
Comentando a irresponsabilidade da classificação,
escreveu o jurista Elicio de Cresci Sobrinho, autor do livro Justiça
alternativa: "Um Exu pilantra desceu sobre os autores da classificação
imbecil. Até os mico-leões-dourados e epilépticos que carrego nos ombros riram
nervosamente da bobagem, pois até o mais novinho deles sabe que tal método é
próprio de bestas".
É seu Batismo de Fogo
Ao condenar os hereges às fogueiras, a Inquisição
sustentava que eles, não tendo sido batizados com água benta, faziam ali
seu batismo de fogo. E aqueles que os condenavam ainda garantiam que os réus
estavam fazendo um bom negócio, ao trocar as labaredas eternas do inferno por
chamuscadas que apenas os levariam desta vida. A frase, porém, mudou de sentido
no século retrasado, quando Napoleão III (1808-1873) adaptou-a aos que entravam
em combate pela primeira vez. Hoje, a expressão se refere a qualquer situação
crítica em que os envolvidos têm de obter bom desempenho em tarefas
importantes. Mário Vargas Llosa intitulou um de seus livros Batismo de fogo.
É um Elefante Branco
Esta frase tem servido para designar grandes
empresas estatais deficitárias. Sua origem é um costume do antigo reino de
Sião, situado na atual Tailândia, que consistia no gesto de o rei dar um
elefante branco aos cortesãos que caíam em desgraça. Sendo um animal sagrado,
não poderia ser vendido. Matá-lo, então, nem pensar. Não podendo também ser
recusado, restava ao infeliz agraciado alimentá-lo, acomodá-lo e ajaezá-lo com
luxo, sem nada obter em troca a todos esses cuidados e despesas. A frase foi
utilizada pelo ex-presidente João Figueiredo para queixar-se dos excessivos
gastos, não de uma estatal, mas de seu sítio do Dragão.
É um Pequeno Passo para o Homem, mas um Passo
Gigante para a Humanidade
Neil Armstrong disse esta frase ao descer no mar da
Tranquilidade e tornar-se o primeiro homem a caminhar na superfície da Lua.
Eram 5h56min56s de 21 de julho de 1969, e o mundo inteiro estava de olho na
televisão, que transmitia ao vivo. O segundo homem a pisar na Lua, acompanhando
o comandante do módulo Eagle (águia, em inglês), foi Edwin Aldrin Jr. Enquanto
isso, na nave-mãe, a Apollo II, o terceiro deles, Michael Collins, tornou-se o
mais solitário dos homens, pois, quando estava do lado escuro da Lua,
ficava sem comunicação nenhuma: nem com os dois do módulo, nem com o resto da
humanidade aqui "embaixo". Os três tinham a mesma idade: 39
anos.
Em Terra de Cego, Quem Tem um Olho é Rei
Esta frase, que não é exclusiva da língua
portuguesa, dá a ideia de que, entre gente ignara, quem é só um pouquinho menos
ignorante do que os outros ganha prestígio e recebe tratamento de rei. O
filósofo e humanista holandês Desiderius Erasmus, dito Erasmo de Roterdam
(1469-1536), foi um dos primeiros a registrá-la. Sua obra mais famosa é Elogio
da Loucura, em que tenta definir um humanismo cristão, desligado de
polêmicas religiosas. Um dos principais nomes da Renascença na Europa do Norte,
Erasmo foi um dos primeiros editores do Novo Testamento. Destacou-se, não em
terra de cego, mas em meio a uma constelação de outros renomados filósofos e
teólogos do período.
A Emenda Saiu pior do que o Soneto
Querendo uma avaliação, certo candidato a escritor apresentou soneto de sua lavra ao poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) pedindo-lhe que marcasse com cruzes os erros encontrados. O escritor leu tudo, mas não marcou cruz nenhuma, alegando que elas seriam tantas que a emenda ficaria ainda pior do que o soneto. A autoridade do mestre era incontestável. Bocage levou essa forma poética a tal perfeição que fazia o que bem queria com o soneto, tornando-se muito popular, principalmente em improvisos satíricos e espirituosos, pelos quais é conhecido.
F
Falar pelos Cotovelos
Esta frase significa "falar demais". Tem
origem nos gostos de faladores contumazes, que procuram tocar os interlocutores
com os cotovelos em busca de maior atenção. O primeiro a registrar a expressão
foi o escritor latino Horácio (65-8 a.C.), numa de suas sátiras. O folclorista brasileiro
Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) referiu-se ao costume das esposas no sertão
nordestino de cutucar os maridos à noite, no leito conjugal, buscando
reconciliação depois de alguma briga diurna. Entre os estadistas, quem mais
fala pelos cotovelos é o presidente de Cuba, Fidel Castro, que nasceu em agosto
de 1926, dia 13, sexta-feira.
Fazer Fiasco
"Fazer fiasco" é frase que nasceu nos
meios teatrais da Itália e originalmente foi grafada far fiasco, cuja
tradução literal é fazer fiasco. Tudo teria começado quando um comediante
meteu-se a gracejar e dar volteios risíveis utilizando uma garrafa — fiasco,
em italiano. Tendo sido malsucedido, dali em diante certos fracassos do
cotidiano passaram a ser identificados com esta frase. No Brasil a frase foi
traduzida literalmente, e também em França, faire fiasco, mas lá com uma
variante: fair un four. O escritor francês, nascido na Suíça,
Henry Stendhal (1783-1842) foi um dos primeiros a registrá-la, usando a forma
italiana.
Ficar a Ver Navios
Esta frase remonta ao desaparecimento do rei de
Portugal, dom Sebastião (1554-1578), na famosa batalha de Alcácer Quebir. Como
o corpo do monarca não foi encontrado, criou-se a lenda de que ele se encantou
e um dia retornaria, dando origem ao movimento messiânico conhecido como
sebastianismo. Multidões passaram a frequentar o Alto de Santa Catarina, em
Lisboa, aguardando a volta do rei, e por isso ficavam a ver navios. Passou a
ser aplicada a quem perdeu o emprego ou está esperando por alguma coisa que jamais
chegará, sendo utilizada também com frequência para indicar situação em que
alguém, por não comparecer ao encontro, deixou o outro a ver navios.
I
A imprensa é o Quarto Poder
Esta frase, que expressa em boa síntese a importância que tem a
imprensa, deve sua criação ao escritor e orador britânico Edmund Burke
(1729-1797). Ao lado dos três poderes clássicos de uma sociedade democrática, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário, a imprensa seria o quarto poder pela
influência exercida sobre as votações do primeiro, as ações do segundo e as
decisões do terceiro.
N
Não Suba o Sapateiro acima da Sandália
Apeles (século IV-século III a.C.), famoso pintor grego que retratou
Alexandre, o Grande, costumava expor suas pinturas em praça pública,
escondendo-se atrás dos quadros para ouvir a opinião dos que por ali passavam.
Concordando com as críticas, retirava suas obras, refazia-as e voltava a
exibi-las para novos comentários. Certa feita um sapateiro notou um defeito na
chinela de uma figura. Apeles saiu de trás dos quadros e pronunciou a frase
memorável, dando conta de que há limites para a crítica. O padre Manuel
Bernardes, um dos melhores estilistas da língua portuguesa, está entre os que
registraram a frase famosa.
O
Ordem e Progresso
Esta frase, lema inscrito em nossa bandeira, é de autoria de Benjamin
Constant, cujo nome completo é Benjamin Constant Botelho de Magalhães
(1836-1891), militar e político brasileiro, um dos articuladores da República.
Foi ele quem, inspirado nas ideias do fundador da sociologia, o positivista
francês Auguste Comte (1798-1857), orientou o desenho da bandeira nacional.
Engenheiro de formação e defensor da premissa de que a ordem é indispensável ao
progresso, lutou na Guerra do Paraguai, onde foi o responsável pelas
fortificações do Tuiuti. Foi ministro da Guerra do governo provisório e mais
tarde da Instrução, onde travou sua melhor batalha, realizando uma reforma
educacional de excelente resultado em instituições que se tornaram famosas pela
qualidade de ensino, como o Colégio Pedro II e a Escola Normal, ambos no rio
P
Pôr em Pratos Limpos
O primeiro restaurante foi aberto na França em 1765. Estabeleceu-se
desde o início que a conta seria paga após a pessoa comer, ao contrário do que
depois veio a acontecer com os lanches rápidos. Quando o dono ou o garçom vinha
cobrar a conta e o cliente ainda não havia feita a refeição, os pratos limpos
eram a prova de que ele nada devia. A frase passou a servir de metáfora na
resolução de conflitos.
O Povo quer Pão e Circo
Segundo uma das sátiras do escritor latino Décimo
Júnio Juvenal (60-140), a plebe romana só queria saber de pão e circo, sendo
esta uma das razões do declínio do Império. Vários imperadores providenciaram o
cumprimento desta máxima, ente os quais Lucio Vero (130-169), que partilhava
com o povo o gosto pelos esportes, principalmente os espetáculos de
gladiadores, bem antes das perseguições que levaram os cristãos à maior arena
do Ocidente para serem comidos por leões. A frase, retomada por autores de
diversas épocas e países, consolidou-se como sinônimo de uma certa preguiça
universal. Mas certamente este não é um pronto de vista popular, já quem mais
come, bebe e se diverte é a classe social privilegiada, tanto no capitalismo
como no comunismo, haja vista a famosa nomenklatura soviética.
Primeiro Viver, depois Filosofar
Esta frase integra proverbiais sentenças latinas e
está registrada em Leviatã, livro publicado em 1651 que viria a
transformar-se na grande obra do filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), que
teve muito o que nos ensinar, por sabedoria e longevidade. Em seus textos,
defendeu a desobediência quando as leis impostas contradizem as leis naturais,
mas ao mesmo tempo defendeu o Estado como elemento coercitivo que leva ao bom
comportamento dos homens. Foi, assim, um partidário do despotismo político, do
materialismo filosófico e do egoísmo moral. Pregou o recurso ao racionalismo
contra as imposições vindas de autoritarismos religiosos. Escrevia em latim e
se interessava muito por literatura, tendo traduzido para o inglês a Odisseia.
A frase foi originalmente escrita em latim: "Primum vivere, deinde
philosophare"
Q
Quando não Somos Inteligíveis é porque não Somos
Inteligentes
Frase do escritor francês Victor Hugo (1802-1885),
autor de romances memoráveis, de grande sucesso de crítica e público. Estreou,
porém, com livros de poesias clássicas aos 20 anos. Talvez por ser também
poeta, soube conciliar na prosa o interesse dos leitores e o refinamento da
linguagem, sem rebaixamento dos padrões estéticos. Entre seus romances mais
conhecidos no Brasil estão Os trabalhadores do mar e Os miseráveis.
Era adepto da clareza de estilo, conforme ilustra a frase acima. E o poeta
gaúcho Mário Quintana (1906-1994), que traduziu algumas de suas obras, emitiu
juízo semelhante: "Quando o leitor não entende o que o escritor escreve,
um dos dois é burro".
Quando os Reis Enlouquecem, os Gregos Apanham
Não foram poucas as vezes em que um povo sofreu amargamente
por causa das loucuras daqueles que o governam. A história mostra-nos grandes
desastres e humilhações sofridas nas diversas épocas por empreendimentos
delirantes em que apenas um homem tomou a decisão, mas todos pagaram pelas consequências.
Foi o caso de numerosas guerras que resultaram no sofrimento e na morte de milhões
de pessoas. A frase do poeta latino Horácio (65-8 a.C.) foi pronunciada a propósito
da Guerra de Troia, que durou dez anos, segundo a Ilíada, de Homero (século IX a.C.). Apesar de terem enganado os
troianos com o famoso cavalo de madeira cheio de guerreiros, os gregos sofreram
muito com essas e outras guerras.
Que Bicho que te Mordeu?
A história desta frase diz respeito à estranheza que sempre
despertou o comportamento surpreendente de alguma pessoa da qual não esperaríamos
alteração brusca de humor ou de opinião. Está presente em numerosos autores,
mas um dos primeiros a registrá-la foi o escritor francês, muito citado por
novos poetas românticos, Nicolau Boileau-Despréaux (18636-1711), numa de suas
sátiras. Mas em francês o bicho era uma mosca, dado que, antes de Boileau, a
expressão já andava na boca do povo com esta relação: “Quelle moucha vai pique?” (Que mosca vos pica?”). A mudança havido
do inseto específico e caseiro para o abstrato bicho pode ter explicações na diversificação
de animais presentes em nossa fauna.
Que Seja em Nome de Deus
Em nossa civilização ocidental e cristã, Deus nem
sempre foi invocado para atos dos quais a humanidade possa orgulhar-se. Muitas
barbaridades já foram cometidas em seu nome, apesar de um dos mandamentos
ordenar que não seja invocado o seu santo nome em vão, quanto mais para
sancionar atos perversos. Um dos piores exemplos de tal invocação está no filme
Em nome de Deus, dirigido por Clive Donner, cujo tema é a história de amor
vivida por Abelardo (1079-1142) e Heloísa (1101-1164), cujos corpos repousam
hoje lado a lado no cemitério Pére Lachaise, em Paris. Abelardo tinha 39 anos e
Heloísa, sua aluna, 17, quando se apaixonaram perdidamente, tendo vivido linda
e trágica história de amor. Naquele tempo, as escolas ainda eram anexos das
sacristias e era exigida a castidade dos docentes. Culto e inteligente,
Abelardo conhecera Heloísa pelas mãos do tio dela, o cônego Fulbert. Tendo a
moça engravidado, Abelardo resolveu abandonar a ordem religiosa e desposá-la.
Não havia impedimento nenhum, já que ele não recebera ainda as ordens maiores,
mas a família da moça não aprovou a solução. Indignado, o cônego contratou
bandidos para prender e castrar Abelardo. Depois de recluso num convento,
Abelardo escreveu várias obras de teologia. Denunciado como herético, foi
levado a um tribunal presidido por São Bernardo (1090-1153), conselheiro de
reis e papas e pregador da Segunda Cruzada. O resultado foi sua condenação.
Abelardo recorreu a Roma e morreu durante o julgamento de sua apelação. Quanto
a Heloísa, também entrou para um convento, do qual foi madre superiora, tendo
vivido ainda 22 anos depois da morte do amado. Nunca mais teve outro amor.
Pudera! O primeiro que viveu teve consequências terríveis para o amado e,
indiretamente, para ela também, claro, já que ainda não havia prótese. O
próprio Abelardo narrou seus infortúnios no livro História das minhas
desgraças. François Villon e Eugène Scribe, entre outros, escreveram sobre
o tema. Há também diversas biografias desses amantes que protagonizaram uma das
mais célebres histórias de amor.
Quem dá aos Pobres Empresta a Deus
Esta frase já era famosa desde a Antiguidade, tendo
sido registrada em forma de conselho no texto bíblico dos Provérbios. O
ficcionista e poeta francês Victor Hugo (1802-1885), autor de romances
memoráveis como Os miseráveis e O corcunda de Notre-Dame, a
utilizou como epígrafe em um de seus poemas mais conhecidos, "Para os
pobres". Um pouco mais tarde, o poeta Castro Alves (1847-1871) a
inseriu numa das poesias de Espumas flutuantes, em que clama por ajuda
aos órfãos dos soldados brasileiros mortos na Guerra do Paraguai. Foram os
verbos do vate baiano que mais contribuíram para a difusão desta frase, outra
vez em forma de recomendação humanitária.
Quem Vai Pôr o Guizo no Pescoço do Gato
A história desta frase remonta a uma das célebres fábulas do escritor
francês Jean de la Fontaine (1621-1695) e tem aparecido constantemente em situações
delicadas. Era muito citada pelo famoso político brasileiro Ulysses Guimaraes
(1916-1992), que presidia a Câmara dos Deputados quando foi promulgada a atual
Constituição, a cada vez que os parlamentares decidiam algo difícil de se
executar. De acordo com a fábula, os ratos resolveram em assembleia pôr um
guizo no pescoço do gato, o eterno inimigo. Assim eles perceberiam o tempo de
sua aproximação e fugiriam a cada ataque. Um rato velho, calado durante todo o
tempo endossou o plano, mas fez a pergunta que se tornou famosa, dando conta de
que entre as palavras e as ações há um certa distância, às vezes
intransponível.
S
Saber é Poder
Caiu na boca do povo esta frase que dá conta dos poderes do saber. Foi
originalmente escrita pelo filósofo e chanceler inglês Francis Bacon
(1561-1626), um dos criadores do método experimental nas ciências. Foi ele quem
tornou a pesquisa independente do princípio de autoridade e do método dedutivo,
ao formular sua teoria da indução. No século XVI, as finalidades sociopolíticas
do saber eram tão óbvias como atualmente, sendo o filósofo um precursor nessa
questão, ao dar importância social aos conhecimento científico.
São Todos Farinha do mesmo Saco
Esta frase, que tem o fim de desmascarar pessoas que fingem
ser o que não são, nasceu de uma metáfora que compara os homes ao trigo e seus
derivados. A farinha de boa qualidade é posta em sacos separados para não ser
confundida com a de qualidade inferior. Quando indivíduos falsos se arrogam em
críticos severos de outros de quem podem ser na verdade cumplices, sócios ou
amigos, surge esta frase para dar contas de que não há diferença entre eles. Originalmente
apareceu em latim: “Homines sunt e jusdem
farinae” (são homens da mesma farinha). O famoso escritor francês Honoré de
Balzac (1799-1850) usa a expressão com frequência em seus romances “C’est sont des gens de la même farine”,
que em português foi traduzida com leve alteração.
T
Tempo é Dinheiro
Esta frase, emblema do capitalismo moderno, e cada vez mais atual, dada
a rapidez dos processos econômicos, principalmente pelo avanço da informática,
foi atribuída ao jornalista, físico, político e filósofo norte-americano
Benjamin Franklin (1706-1790), inventor do para-raios. Homem de vasta erudição,
ele pode tê-la lido no filósofo grego Teofrastos (372-288 a.C.), autor de mais
de 200 obras, espalhadas por quase 500 volumes, que disse coisa semelhante: “O
tempo custa muito caro”.
U
Um é Pouco, Dois é Bom, Três é Demais
Esta frase foi popularizada em famosa canção de Heckel Tavares
(1896-1969), intitulada Casa de caboclo. Os versos dizem
"Numa casa de caboclo, um é pouco, dois é bom, três é demais". Autor
de cerca de cem canções, o compositor soube com poucos conciliar o erudito e o
popular, tendo obtido r5econhecimento de crítica e público, no Brasil raramente
combinados, por seus trabalhos musicais. Mas o sentido da frase, não sua forma,
tem raízes bem antigas. Tanto a Bíblia como o Talmude advertem que três pessoas
já constituem um grupo grande demais para discutir assuntos íntimos. E um provérbio
inglês declara que três são multidão ("Three is a crowd").
Também na Itália e em Portugal circulam frases com sentido semelhante.
Um Gênio Compõe-se de 2 por centro de Talento e 98 por cento de Trabalho
Esta frase, que depois passou a ser citada com frequência, foi
originalmente pronunciada pelo célebre músico e compositor alemão Ludwig van
Beethoven (1770-1827), que deu boas razões para passarmos a acreditar em seu
famoso provérbio. Com efeito, mesmo sendo o gênio que era, trabalhou duramente
para nos embevecer e nos legou uma obra musical que inclui 32 sonatas para
piano, 17 quartetos, nove sinfonias, cinco concertos para piano e um para
violino, sem contar sua célebre ópera Fidélio, a Missa solene e
diversas aberturas. O grande músico, que tanto trabalhou, teve ainda de
enfrentar uma surdez que o acometeu muito cedo.
V
Vigiai e Orai
A história desta palavra prende-se aos Evangelhos,
na famosa recomendação de Jesus ao discípulos, alertando-os para que
permanecessem vigilantes. O sono sempre foi um inimigo duro de vencer e os
discípulos estavam dormindo quando soldados romanos vieram prender o mestre. O
imperador Vespasiano (9-79) já era comandante militar poderosíssimo quando
dormiu durante um cortejo do rei da Grã-Bretanha, Eduardo VIII, duque de Windsor
(1894-1972), conta em Memórias de um rei que vários soberanos dormiam
nos desfiles e eram acordados pelas mulheres para saudarem os súditos.
Políticos de todos os países são frequentemente surpreendidos em cerimônias
importantes por fotógrafos ou câmaras que flagram o sono indevido. Nessas
horas, quem deve vigiar é o fotógrafo ou o câmara.
Virar a Casaca
A política brasileira está cheia de gente que virou a casaca, isto é,
homens públicos que trocaram de partido, passando a defender ideias que antes
condenavam. A origem da expressão remonta a Carlos Manuel III (1701-1771),
duque de Savoia e rei da Sardenha. Sempre ameaçado, ora pela Espanha, ora pela
França, usava as cores nacionais dessas nações de acordo com a aliada de
ocasião. Tanto virou a casaca que permaneceu no poder por 43 anos. No Brasil,
muitos políticos mudaram de partido depois de eleitos. O presidente da então
Arena, José Sarney, passou para o PMDB em 1984, chegando-se indiretamente
vice-presidente da República. Todos sabem o que aconteceu depois.

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