Georges Picard enfatiza que todos os seres humanos
deveriam escrever, não para publicação, mas para si mesmos, a fim de
disciplinar o pensamento. É uma sugestão estimuladora, porque a maioria das
pessoas que não lê não dá muita atenção à escrita. Para Picard, o ato de
escrever é o "desejo de se descobrir tanto a si mesmo como aos
outros". Ele defende a ideia de uma literatura livre, contrária ao canto
de sereia do marketing e da publicidade, que procura reduzir
tudo ao vendável.
Um bom método, para ler corretamente, é escrever o
que se vê diariamente. São poucos os que percebem que escrever é uma espécie de
trabalho. Observe o texto bíblico em que Adão, depois de ter pecado, recebe de
Deus a seguinte advertência: "Por teres escutado a voz de tua mulher e comido
da árvore da qual eu te havia prescrito não comer, o solo será maldito por sua
causa. É com fadiga que te alimentarás dele todos os dias de tua vida. E com
fadiga escreverás teus ensaios todas as noites de tua vida". (Gênesis, 3,
17) Escrever faz-nos pensar sobre um determinado assunto. Colocando-o no papel,
memorizamos melhor o acontecimento.
A diversidade, as ideias contraditórias e a
contestação são verdadeiras armas para aqueles que fundamentam os seus
argumentos na esgrima da palavra. A oposição de ideias, tal qual Hegel
defendia, é um verdadeiro manancial de conhecimento e aprendizagem porque a sequência
de tese, antítese, síntese, tese, antítese, síntese... propicia-nos um
conhecimento mais amplo e mais aprofundado de qualquer tema. Lembremo-nos de
que a beleza da escrita está na tensão entre o que está escrito e o que está
por ser escrito.
O ato de escrever é uma espécie de concentração,
porque obriga aquele que escreve a ficar inteiro no que está escrevendo, sob
pena de não anunciar a sua afetividade e o seu sentimento de maneira genuína e
profunda. As notas valem mais do que as palavras. Escrever nos obriga a
escolher entre um monte de ideias vagas aquelas que são mais compreensíveis ao
texto. Claude-Louis Combet diz: "A dedicação à escrita, em todo o seu
rigor de forma e em sua disciplina moral, estimula o recolhimento, o gosto pelo
silêncio, a atenção do coração, o respeito pela língua, a renúncia à
exterioridade".
No livro de Picard há diversas frases soltas:
"’Escrevo, logo sou’ pode fundar uma ética da existência"; "não
é com fatos, mas com palavras que se escreve"; "o escritor deve fugir
do jogo de tolos que consiste em escrever obscuramente fingindo
profundidade"; "pensar não significa fazer teoria, pensar é também
compor ficção ou escrever poesia"; "na medida em que o cesto de lixo,
físico ou virtual, se enche de rascunhos, cresce a energia intelectual
mobilizada para chegar a uma página que valha a pena"; "é justamente
porque não se tem nada a esperar do midiático e do social em geral que escrever
parece ser, cada vez mais, uma vocação desinteressada".
Os slogans, as expressões audiovisuais
e as imagens simplistas retratam o triunfo da literatura medíocre, da
literatura pouco aprofundada e tendente à uniformidade. Para fugirmos dessa
influência automática e rotineira, dediquemo-nos à escrita e à leitura de bons livros.
Fonte de Consulta
PICARD,
Georges. Todo Mundo Devia Escrever: A Escrita como Disciplina do
Pensamento. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2008.
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