Entre o fato e a ideia. Mas em que consiste o esforço intelectual? Passar
de um plano de ideias para um outro plano. Pensemos no seguinte: é o fato iluminado por uma ideia; ou seja, a ideia encarnada no fato. O
fato deve ser transportado a uma lei geral. E do mesmo modo, uma lei pura e
abstrata não é concebível: a lei deve sintetizar uma multidão de fatos. Por isso,
a capacidade de adaptação, que é a habilidade do espírito.
Dizia Foch, na Escola de
Guerra: “Ponhamos de lado esses esquemas automáticos, retenhamos princípios
gerais, depois apliquemos esses mesmos princípios ao caso novo e inédito,
colocando-nos, sem cessar, o problema da finalidade, problema que o cérebro tanto
despreza”. O mesmo deve ser aplicado aos trabalhos do intelecto.
Quando nos pomos a escrever,
tudo se nos parece obscuro, pois estamos diante de uma ideia global. Em seguida,
as primeiras palavras do orador ou do escritor constroem uma espécie de andaime
para o que virá depois. Por isso, muitos se surpreendem com o poder de
rascunhar as suas ideias, mesmo nas horas contadas de um exame.
“Dai-me uma alavanca!”. Onde encontrar o ponto de aplicação? “Dai-me
uma alavanca!”, dizia Arquimedes. “Dai-me, sobretudo, um ponto de apoio para
nele aplicar a alavanca, e ela funcionará”. O erro está em procurar demasiado;
eliminemos, simplifiquemos, substituamos as incógnitas por símbolos; façamos
como se o problema estivesse resolvido. Repitamos esta regra natural: ir, em tudo, do conhecido para o
desconhecido.
As fronteiras, passagens, analogias. O instinto do gênio consiste
em reparar nas coisas singulares que contêm em si o universal em potência e que
são suscetíveis de dar-nos, graças ao acréscimo da analogia, muitos outros
conhecimentos. Cavamos no lugar onde estamos até que encontremos a galeria
escavada pelo nosso vizinho e percebamos então a convergência de todos esses
esforços.
Para distinguir o conhecimento
profundo do superficial, fez uso da circunferência e um ponto a dentro dela. Se a pessoa rodar o a em círculo, terá um conhecimento enciclopédico,
mas não o aprofundamento do saber. Vamos dar a esse ponto a um pouco de intuição e aplicação; dotemo-lo de uma potência de
esforço e perseverança. Ele escolherá um ponto da circunferência e apontará
para o centro da mesma. Essa é a imagem das duas espécies de saber, das quais
uma, a da tentação, dispersa-nos à superfície, numa agitação sem fim,
arranca-nos de nós próprios e do ser, convencendo-nos de que tudo difere de
tudo; e a outra, pelo contrário, reconduz-nos ao centro e demonstra-nos, com
encanto, a semelhança que liga as partes da experiência.
Fonte de Consulta
GUITTON, Jean. O Trabalho Intelectual:
Conselhos para os que Estudam e para os que Escrevem. Tradução de Lucas Félix
de Oliveira Santana. Copyright 1951. São Paulo, Campinas: Kibion, 2018.